terça-feira, 14 de outubro de 2008

terça-feira, 16 de setembro de 2008

História 4:"Poste? Qual poste?"

Estou tão farta disto hoje!!!
Arrrrhhhh!!!
Nunca mais acaba o dia?
A verdade é que há dias que uma pessoa não devia contrariar-se e vir trabalhar.
Mas eu não tenho de me contrariar.
8 da noite, e eu ainda aqui...
Vou-me embora.
Saí do trabalho sozinha.
Que escuro. Que gelo. Que chuva. Que cenário deprimente.
Dirijo-me para o carro, sozinho no parque de estacionamento, colocando pé-ante-pé com cuidado para não me molhar nas poças de águas.
Mas o que chove!!??
Abro a mala e tiro a carteira... batôn... chaves-de-casa... telemóvel... finalmente:
chaves-do-carro!

CONTINUA...

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

História 3: "Desculpe. Não vi que está grávida"

A primeira vez:
Não o encontro!
Mas onde raio se meteu?
Mas... que...????
Ah, cá está ele. Os passes deviam ter uma espécie de mini GPS incorporado. Vendo bem, por mim tinham os passes, as chaves de casa, o telemóvel. Nunca encontro nada na mala. Talvez nem encontrasse o próprio GPS.
Mas finalmente lá entrei no autocarro. Entre tombos e mãos ora nos bancos, ora nos varões lá me vou aconchegado. Talvez me possa sentar alí, ou talvez lá ao fundo. Não. Aqui à frente seria melhor.
Boa. Vai sair aquele senhor.
Menina, sente-se aqui!
Mas vai sair?
Não, mas sente-se, sente-se.
Mas eu posso ir de pé.
Não. Claro que não. Ainda por cima grávida!

GRÁVIDA???
EU???

A segunda vez:
Adoro estes dias.
O chiado apinhado de gente, não está calor nem frio, tenho todo o tempo do mundo para andar às compras. Sozinha.
Compro um perfume ali, uns sapatos acolá e paro para beber um café e apreciar as pessoas que vão circulando. Curiosa esta diversidade. Tanta cor, tanto movimento, tantos sons. Pessoas sozinhas, acompanhadas, ou até em grandes grupos. Uns olham para tudo, mas outros não vêm nada. Há toda uma envolvência, um contexto a apreciar, mas há pessoas que insistem em não ver nada. Passam pelos sítios e o único ponto de contacto que estabelecem com esses sítios é o chão. Pisam a pedra da calçada sem a beijar com os pés. Pisam-na como quem desfolha um jornal de há duas semanas esquecido numa mesa de café. Sem intenção. Sem amor.
Outros envolvem-se com os prédios, com as floreiras, com a luz. Embebem-se de tudo. Por isso sorriem mais e parecem loucos. Loucos que tomaram más opções na vida. Mas eu, aqui sentada, não os vejo assim. Parecem-me mais felizes e cientes das suas opções. São mais emocionais e por isso mais livres. E ser livre é bom. Por exemplo, aquela senhora que agora passa com sacos de lojas conhecidas nas mãos, parece alheada. Só olha sobre a ponta do seu nariz, rigorosamente em frente, como se tivesse traçado uma linha recta. Não me parece feliz, nem livre, nem consciente.
Hoje, aquela senhora podia ser eu.
Acabaram-se as contemplações.
Levanto-me da mesa e dirijo-me rapidamente para casa-de-banho. Muito bem, temos fila de espera.
Plano B: Vou à do 1º andar. Cheia, sim, razoavelmente cheia. Vou ficar.
Pode passar!
Desculpe?
Pode passar.
Mas porquê? Mais ninguém quer ir?
Porque... está grávida!
Todas as mulheres que se encontravam na fila olharam num ápice para mim. E eu devo ter ficado com aquela cara de quem está grávida e não sabe, ou de quem está grávida mas não quer dizer ou pior, de quem NÃO está grávida mas parece.
Mas recordando-me de um ou outro episódio do género que já me tinha acontecido, pensei: Desta vez tira proveito da situação.
E passei delicadamente em frente de todas as senhoras que, entretanto, já me olhavam com um ar maternal e terno.
Fiz o que tinha ido ali fazer e saí da cabine.
Nem sei se por provocação se por instinto, sai com a camisola levantada enquanto acabava de apertar o último botão das calças.
O horror ficou-lhes estampado na cara: Onde raio tinha eu a "barriga"?
Na altura ri-me maquiavelicamente pensando: Cá se fazem cá se pagam.
Mas agora só me questiono sobre o que é que passou pelas cabeças daquelas almas para pensarem que eu estava efectivamente grávida?
Será que estou assim tão... grande?

A terceira, e não última, vez:
Filha preciso que faças um recado. Preciso de ir ao supermercado para comprar uns ovos, uma alface, queijo, fiambre e, já agora, traz-se um geladinho logo para o jantar.
É sempre a mesma coisa. Não devíamos comer doces, mãe. Não precisamos, percebes?
Não, não percebe.
Na realidade nem eu percebo. Quando sou confrontada com qualquer coisa com açúcar parece que perco o raciocínio. Deixo de ter visão periférica e só me foco no doce... doce... tão doce... Os bolos parecem maiores, os gelados mais doces, os chocolates mais quentes e aveludados quando conhecem a minha língua. Para mim comer é quase um acto erótico. Conjuga os odores, sabores, temperaturas, texturas e cores divinalmente sedutoras. Como com a boca, a língua e o toque.
De volta à realidade, deixo-me de falsos moralismos e de corredor em corredor, lá vamos nós varrendo as prateleiras do supermercado acabando por trazer mais 10 ou 15 coisas que não queríamos e não precisávamos.
Mais uma volta, confirmamos se temos tudo no carrinho e vamos directas à caixa para pagar.
Vejo uma caixa com apenas duas pessoas, vou ficar por aqui.
A senhora à nossa frente aconchega as suas compras sobre o tapete rolante para que nós possamos começar a colocar as nossas.
De súbito, olha para trás, olha-me a barriga com os olhos bem abertos, como se visse um monstro viscoso a sair-me das entranhas, abra a boca até ser possível ver-lhe o fígado e coloca as mãos na cabeça como que a segurar os seus cabelos desgrenhados para estes não saltarem da mesma e num desabafo desesperado diz: "Desculpe! Não vi que está grávida. Pode passar à frente".
Eu, saí do meu corpo. Experimentei por momentos a sensação de morte em vida e parecia flutuar por cima de mim mesma, observando-me de fora, em câmera lenta.
Depois, já de volta ao meu corpo físico, senti-me inchar e ficar cada vez maior. A cabeça ia explodir. Tinha a certeza.
NÃO. NÃO ESTOU GRÁVIDA!!!!!!!!
E a mulher, ainda com fôlego, respondeu:"Mas olhe que parece mesmo".
Bolas, mas a mulher não se cala.
Já chega não acha?
A mulher agarrou nos seus três sacos e pirou-se.
No final ainda tive de ouvir a minha mãe:
Se não fosses parva tínhamos passado à frente!

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

História 2: "O mais fiel funcionário dos CTT"

O dia não tinha começado muito bem: acordei tarde, demorei no trânsito, e o telemóvel não parava de tocar. Ignorava os toques apesar de sentir o sistema nervoso a sufocar.
Não resisti e parei o carro. Na lista estavam algumas chamadas às quais não me apetecia responder, e uma outra muito importante. Telefonei e confirmei as minhas suspeitas: amanhã tenho de apresentar todo o material em stock, numa oportunidade única de fazer escoar os produtos que sobraram no fim da estação.
No entanto, percebi rapidamente que não tinha a colecção comigo.
Não há problema. Mais um telefonema e amanhã, por correio, estará cá tudo a tempo de fazer uma demonstração.
Contactei a responsável pela mercadoria e garantiu-me o seu envio no próprio dia. Agora seria só uma questão de esperar por amanhã.

8:00 - E o carteiro, nada.
9:00 - Nada.
9:30 - Não dá para esperar. Tenho de ir para o trabalho. Talvez na hora de almoço apareça.
13:00 - Regresso a casa para almoço. Já lá está o bendito postal para levantar a encomenda.

Fui rapidamente aos correios.
Uma das simpáticas funcionárias conseguiu atender-me sem nunca me ter olhado, mas na sua matemática competência, lá foi informando que a encomenda só estaria disponível no dia seguinte para ser levantada. Por momentos acho que eu própria deixei de a ver. Senti-me a cegar por um clarão.
Não está a perceber: p-r-e-c-i-s-o d-a e-n-c-o-m-e-n-d-a h-o-j-e!
Mais uma vez, sem levantar os olhos do balcão, confirmou a impossibilidade de aceder ao meu pedido. Mas... de repente... sem qualquer explicação... olha-me por cima dos óculos de lentes progressivas e num tom quase humano diz-me:
Só se quiser passar pelo armazém a ver se o chefe lhe dá ainda hoje a encomenda.
Subitamente a senhora parecia mais bonita, mais alta, esguia, e com um manto branco sobre a cabeça.
Não perdi mais tempo em contemplações e fui até ao armazém. Entrei pé-ante-pé, chamei por alguém, olhei para as centenas de cartas organizadas metodicamente por zonas, vi embrulhos... mas funcionários, nada.
Quando voltava pelo mesmo caminho ouvi alguém chamar. Um homem baixo, de bata, a olhar-me como se tivesse de óculos progressivos, mas sem os ter. Não me parecia o chefe da estação, mas só saberia encetando diálogo com ele:
O senhor é o chefe de armazém?
Não senhora.
Então e o chefe está?
Não senhora.
Então talvez me possa ajudar. Preciso de levantar ainda hoje uma encomenda, será possível?
Isso é com o chefe.
Mas disse-me que o chefe não está. Está cá alguém que o possa substituir?
Não senhora.
E a que horas chega o chefe?
Não sei.
Não sabe? Mas deve mais ou menos ter uma hora que seja hábito estar por aqui, ou não?
Não sei. Isso do horário é lá com ele.
Tudo bem mas, por exemplo, ainda virá hoje?
Oh minha senhora, eu não me meto na vida do chefe. Isso é lá com ele.
Mas não é uma questão de se meter na vida do chefe. Só estou a perguntar pela única pessoa que me pode ajudar, e para tal preciso saber quando a posso encontrar, não acha?
Já disse. O chefe tem a sua vida. Eu cá não me meto. Não gosto de falar da vida dos outros nem da do chefe. Isto é mesmo assim.
Obrigado.
E acabou por aqui este diálogo enriquecedor, que parecia ter demorado 138 horas.
Ora o homem não se mete na vida do chefe. Certo!

Só algum tempo depois, a frio, percebi que tinha tido o prazer e o privilégio de conhecer o mais zelador dos funcionários de todas as estações de CTT existentes no país.
Nunca cheguei a saber a função daquele homem, e não tive oportunidade de dizer ao seu chefe o quão fiel é este seu funcionário.

E apesar de a partir daquele momento tudo ter sido relativizado, a encomenda, o prazo, as vendas, os lucros..., insisti no mesmo dia em procurar pelo chefe de armazém, e encontrei.
Sem falsas simpatias, mas também sem precisar de fingir que tem óculos para mostrar quem manda, lá me entregou a encomenda sem levantar questões.

Obrigado senhor funcionário dos CTT por me fazer acreditar que ainda há gente que gosta dos patrões.

História 1:"Porquê andar 20 anos com o BI na carteira?"

Sempre ambicionei tirar a carta de condução.
Achava fascinante a ideia de conduzir com o braço direito, bem hirto, e a mão sobre o volante, enquanto pousava o cotovelo esquerdo sobre a porta do carro, esticando o antebraço para desfrutar do vento.
Vidros descidos, capota recolhida, e claro... lenço de seda na cabeça e óculos de felina a ocultar 2/3 do rosto.
Assim, empenhada em fazer cumprir a minha fantasia juvenil, mal tive oportunidade inscrevi-me numa escola de condução e rapidamente comecei a frequentar as aulas.
Primeiro com entusiasmo, depois com preguiça e mais tarde por obrigação.
Mas estava decidido!
Apesar de já saber que nunca teria um descapotável, e que nunca faria esvoaçar os cabelos louros quando, numa imagem romântica, o lenço se soltasse com o vento, empenhei-me e consegui concluir o código e todas as aulas de condução.
Chegou o dia.
O exame de condução é hoje às 9:30, antecedido da última aula, mesmo a jeito para limar as últimas arestas.
Às 8:00 apresento-me na escola para a malfadada aula.
O instrutor solicitou-me que verificasse se todos os documentos necessários se encontravam comigo--------------------

RAIOS!

Esqueci-me do Bilhete de Identidade (BI)!!!
Em casa?...
Não...
Na outra casa...
Estava neste momento a 120Km da casa dos meus pais, onde havia deixado o BI uns dias antes para que o meu pai pudesse tirar uma fotocópia.
Porque é que não tirou logo a cópia?
Porque é que não me lembrei da sua imprescindível presença no exame de condução?
Porquê andar 20 anos com o BI na carteira e só hoje, quando preciso dele verdadeiramente, não o tenho?
Porque é que não me lembrei, porquê, porquê, porquê?
Não há explicação.
Constatada a inexistência do BI foi-me proposto pelo instrutor apresentar o único documento que poderia substituí-lo: A CARTA DE CONDUÇÃO.
Será que está louco?
Não está só a brincar comigo.
Está a ver se me tira este nervoso miudinho. É isso.
Não. É mesmo a sério. Concluí pela sua expressão, 5 segundos depois, que se tinha apercebido do disparate que me estava a dizer.
Mas a saga ainda estava longe de acabar.
Tinha duas hipóteses: ou faltava ao exame (constatada que estava a minha reprovação) ou comparecia.
Faltar parecia-me claramente uma atitude derrotista e pouco respeitosa para com o dinheiro investido, mas para comparecer ainda havia um caminho a percorrer: fazer a última aula.
Era mesmo o que me estava a apetecer. Fazer uma aula na quase certeza de que reprovaria.
Mas não havia alternativa. 1 hora de "condução brilhante" segundo o meu instrutor, " a melhor aula das 32 aulas anteriores", mesmo a calhar para levantar o ânimo.
Dirigimo-nos para a DGV. Aproxima-se o examinador. O meu instrutor diz que tenho sorte, "este é dos melhores, pode ser que feche os olhos".
Começou a chamada.
BI, por favor.
Ah... pois... não... não tenho.
Não tem?
Se quiser pudemos passar pela sua casa durante o exame do outro aluno?
Não... não tenho... tenho, mas está a 120Km... em casa dos meus pais.
Então, não pode realizar o exame.
O quê?
Não pode realizar o exame.
Mas porquê?
Não pode realizar o exame.
Mas eu posso tentar?
Não pode realizar o exame.
É possível que tenha havido outra troca de palavras, mas não me recordo de mais nada que não sejam estas palavras.
De lágrimas nos olhos, desisti de implorar.
Tinha, oficialmente, chumbado num exame de condução sem sequer entrar no carro.
Foi ainda com orgulho que ouvi dizer que em 15 anos, naquela escola de condução, eu era a primeira pessoa a reprovar por este motivo.

Falta mencionar, ainda, que nem direito a boleia de volta à escola de condução tive. Como tinha reprovado não podia continuar no carro de exame.

Restou-me regressar a pé sem honra nem glória.