quarta-feira, 10 de setembro de 2008

História 1:"Porquê andar 20 anos com o BI na carteira?"

Sempre ambicionei tirar a carta de condução.
Achava fascinante a ideia de conduzir com o braço direito, bem hirto, e a mão sobre o volante, enquanto pousava o cotovelo esquerdo sobre a porta do carro, esticando o antebraço para desfrutar do vento.
Vidros descidos, capota recolhida, e claro... lenço de seda na cabeça e óculos de felina a ocultar 2/3 do rosto.
Assim, empenhada em fazer cumprir a minha fantasia juvenil, mal tive oportunidade inscrevi-me numa escola de condução e rapidamente comecei a frequentar as aulas.
Primeiro com entusiasmo, depois com preguiça e mais tarde por obrigação.
Mas estava decidido!
Apesar de já saber que nunca teria um descapotável, e que nunca faria esvoaçar os cabelos louros quando, numa imagem romântica, o lenço se soltasse com o vento, empenhei-me e consegui concluir o código e todas as aulas de condução.
Chegou o dia.
O exame de condução é hoje às 9:30, antecedido da última aula, mesmo a jeito para limar as últimas arestas.
Às 8:00 apresento-me na escola para a malfadada aula.
O instrutor solicitou-me que verificasse se todos os documentos necessários se encontravam comigo--------------------

RAIOS!

Esqueci-me do Bilhete de Identidade (BI)!!!
Em casa?...
Não...
Na outra casa...
Estava neste momento a 120Km da casa dos meus pais, onde havia deixado o BI uns dias antes para que o meu pai pudesse tirar uma fotocópia.
Porque é que não tirou logo a cópia?
Porque é que não me lembrei da sua imprescindível presença no exame de condução?
Porquê andar 20 anos com o BI na carteira e só hoje, quando preciso dele verdadeiramente, não o tenho?
Porque é que não me lembrei, porquê, porquê, porquê?
Não há explicação.
Constatada a inexistência do BI foi-me proposto pelo instrutor apresentar o único documento que poderia substituí-lo: A CARTA DE CONDUÇÃO.
Será que está louco?
Não está só a brincar comigo.
Está a ver se me tira este nervoso miudinho. É isso.
Não. É mesmo a sério. Concluí pela sua expressão, 5 segundos depois, que se tinha apercebido do disparate que me estava a dizer.
Mas a saga ainda estava longe de acabar.
Tinha duas hipóteses: ou faltava ao exame (constatada que estava a minha reprovação) ou comparecia.
Faltar parecia-me claramente uma atitude derrotista e pouco respeitosa para com o dinheiro investido, mas para comparecer ainda havia um caminho a percorrer: fazer a última aula.
Era mesmo o que me estava a apetecer. Fazer uma aula na quase certeza de que reprovaria.
Mas não havia alternativa. 1 hora de "condução brilhante" segundo o meu instrutor, " a melhor aula das 32 aulas anteriores", mesmo a calhar para levantar o ânimo.
Dirigimo-nos para a DGV. Aproxima-se o examinador. O meu instrutor diz que tenho sorte, "este é dos melhores, pode ser que feche os olhos".
Começou a chamada.
BI, por favor.
Ah... pois... não... não tenho.
Não tem?
Se quiser pudemos passar pela sua casa durante o exame do outro aluno?
Não... não tenho... tenho, mas está a 120Km... em casa dos meus pais.
Então, não pode realizar o exame.
O quê?
Não pode realizar o exame.
Mas porquê?
Não pode realizar o exame.
Mas eu posso tentar?
Não pode realizar o exame.
É possível que tenha havido outra troca de palavras, mas não me recordo de mais nada que não sejam estas palavras.
De lágrimas nos olhos, desisti de implorar.
Tinha, oficialmente, chumbado num exame de condução sem sequer entrar no carro.
Foi ainda com orgulho que ouvi dizer que em 15 anos, naquela escola de condução, eu era a primeira pessoa a reprovar por este motivo.

Falta mencionar, ainda, que nem direito a boleia de volta à escola de condução tive. Como tinha reprovado não podia continuar no carro de exame.

Restou-me regressar a pé sem honra nem glória.

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